Portal de Conferências da Unicap, IV Seminário Internacional Pós-Colonialismo, Pensamento Descolonial e Direitos Humanos na América Latina

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Colonialismo à brasileira ou simplesmente colonialismo? Notas a partir das lutas indígenas na Raposa Serra do Sol
Maurício Hashizume

Última alteração: 2019-07-08

Resumo


Resumo O pensamento social brasileiro tem se caracterizado por um duplo paradigma. De um lado, persiste e se replica uma exaustiva busca por “modelos” teórico-metodológicos e crítico-analíticos das múltiplas dinâmicas, realidades e fenômenos locais. De outro, verifica-se a pretensa e recorrente constatação e reforço de uma noção de “excepcionalidade” nacional diante das correntes e propostas existentes e/ou em processo de consolidação na arena das disputas e interpretações político-ideológicas. Ambas frentes interagem entre si e tem se retroalimentado ao longo de séculos. Desde a invasão colonial europeia e assumindo as mais diversas formas e abordagens, é possível notar a existência de um mantra conceitual-cognitivo em torno das “ideias fora do lugar” (Schwarz). Dentro dos quadros do pensamento de tradição marxista, por sinal, há muito se ensaia (e aqui o verbo escolhido tudo tem a ver com as produções intelectuais a que se está fazendo referência) esse mesmo dilema da busca por modelos/constatação da excepcionalidade quando do enfoque das características (e respectivas possibilidades de superação/transformação) do capitalismo “periférico” implementado e vigente nos trópicos. Nesse tocante, o peruano Mariátegui se destaca como um dos principais precursores no início do século XX, embora múltiplas perspectivas de resistências (ou r-existências, como propõe Porto-Gonçalves) diante do rolo compressor simbólico e material do capitalismo-colonialismo já estejam presentes praticamente desde os primórdios da colonização. Com base em abordagem semelhante a que tem sido dada no escrutínio do sistema capitalista nasperiferias, proponho nesta comunicação - resultante de reflexões, inquietações e interrogações surgidas a partir do diálogo com as lutas dos povos da Terra Indígena Raposa Serra do Sol no bojo das pesquisas para tese de doutorado em Sociologia no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES/UC) – uma tentativa de resposta à seguinte pergunta. Existe um colonialismo à brasileira, com traços e desafios específicos (como formularam as chamadas teorias da dependência na tentativa de destrinchar as desigualdades de “integração e interação” no capitalismo), ou o que se constata e se experimenta no país faz parte de um sistema colonial de longa duração (Braudel) e escala global (Wallerstein)? Dentre as possíveis notas a partir de estratégias, ações e cosmovisões em linha com as epistemologias do Sul (Santos) – isto é, de saberes forjados na memória, na trajetória e no cotidiano de intensos, recorrentes e bárbaros enfrentamentos sociais (tributários da violência/apropriação coloniais/abissais) - levadas a cabo pelos sujeitos indígenas nos territórios em Roraima, destacam-se ao menos três. A primeira é de que, por meio das contribuições das lutas indígenas, ficam mais do que evidentes as limitações do duplo paradigma (modelo/exceção) que forma a espinha dorsal do pensamento social brasileiro: a própria condição de “fora de lugar” incorpora (e amalgama) hierarquizações de poder/saber. A segunda nota: o sistema capitalista-colonial (ou seja, não meramente um “colonialismo à brasileira”), compreendido indissociável e complementarmente como o fazem os indígenas, traz problemas e desafios outros que não aqueles conhecidos e entabulados pela intelectualidade branca, etno/eurocêntrica e masculina. Terceira observação: apenas pela apreensão destas relações de poder entremeadas (ou interseccionais), erguer-se-á um possível pensamento social descolonial brasileiro.