Portal de Conferências da Unicap, IV Seminário Internacional Pós-Colonialismo, Pensamento Descolonial e Direitos Humanos na América Latina

Tamanho da fonte: 
PARA UMA CRÍTICA À COLONIALIDADE DO FAZER ANTROPOLÓGICO EM CONFLITOS TERRITORIAIS JUDICIALIZADOS
Inafran F. de Souza Ribeiro

Última alteração: 2019-07-16

Resumo


A atuação de antropólogos em processos judiciais no Brasil é fenômeno que tomou corpo principalmente após a promulgação da CRFB/88 e é identificada com certa antropologia exercida atualmente no país que apresenta perspectivas tanto de análise quanto de mediação. Essa antropologia se dispõe a oferecer ferramentas teóricas e metodológicas para abordar os conflitos dos quais são parte as coletividades estudadas como forma não só de explicar a realidade, mas também de nela intervir. Tal intervenção, apresentada como uma atuação que se aproxima da advocacy anthropology norte-americana (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1978; O’DWYER, 2005; 2010), se constitui tanto pelosdesdobramentos da produção científica, quanto pela própria posição do pesquisador frente aos casos específicos em que atua como técnico requisitado para formular políticas públicas, para mediar conflitos, ou mesmo como perito designado pelo Poder Judiciário durante a instrução de um processo judicial. A comunicação oral aqui proposta pretende se debruçar sobre essa temática com a intenção de problematizá-la, a partir da análise de uma situação social específica: a administração judicial de um conflito territorial na APA da Barra do Rio Mamanguape entre uma comunidade tradicional estabelecida na localidade denominada Ilha do Aritingui e uma empresa com atuação no agronegócio canavieiro e na carcinicultura (monocultura do camarão), a Miriri Alimentos e Bioenergia SA.

Na situação social enfocada, foram realizados vários estudos de natureza técnica que objetivaram tanto identificar os impactos socioambientais da presença da empresa na localidade quanto averiguar a tradicionalidade da comunidade. Para esse último fim, foi realizada perícia antropológica na qual atuaram três antropólogos sócios da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), um nomeado perito pelo juiz do caso, outro contratado como assistente técnico do Ministério Público Federal, e outra contratada como assistente

técnica da empresa. Costuma-se identificar a perícia antropológica com um discurso emancipador e de empoderamento das comunidades que são submetidas à sujeição de tal exame. Se há algo de empoderamento em tal procedimento não é a essa faceta que este trabalho pretende se voltar.

Em sua introdução à Microfísica do Poder de Michel Foucault, Machado (2011) [1979]diz que “vivemos cada vez mais sob o domínio do perito” (p. XXII). Ao percorrer osprincipais textos de Foucault, o autor destaca que todo agente do poder é um agente de constituição de saber, qualidade que lhe atribui a obrigação de devolver um determinado saber, correlativo do poder que exerce, àqueles que lhe delegaram um poder. Foucault (2011) encara o sistema do direito, o Poder Judiciário, como canais permanentes de relações de dominação e de sujeição que se afiguram de variadas formas. A partir dessa perspectiva, portanto, o direito deve ser percebido como um procedimento de sujeição, não como uma legitimidade a ser estabelecida. A situação social a ser analisada no trabalho aqui proposto parte da premissa de que a perícia antropológica, enquanto procedimento judiciário que é, não está isenta de ser uma produtora em potencial das relações de dominação e sujeição que o direito põe em prática e veicula.


Palavras-chave


onflito territorial; perícia antropológica; colonialidade.