Portal de Conferências da Unicap, IV Seminário Internacional Pós-Colonialismo, Pensamento Descolonial e Direitos Humanos na América Latina

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O (in)devido processo colonial: a morosidade do Estado como óbice à garantia judicial efetiva. Sentença da Corte IDH no Caso do Povo indígena Xucuru v. Brasil.
Thaís Sales Ferreira

Última alteração: 2019-07-09

Resumo


O devido processo legal, por ser um direito de conteúdo complexo, composto por umconjunto de garantias de acúmulo histórico, deve ser efetivo e real. Do contrário, esvaisenuma categoria liberal hegemônica usada para assentar discursos universais, que nãoalbergam a multiculturalidade brasileira. O artigo examina o indevido uso do processolegal para obstar a realização efetiva de direitos constitucionalmente assegurados agrupos minoritários. Sob epistemologia positivista acrítica, tem-se distorcido o princípiodo devido processo legal em manobras judiciais e administrativas protelatórias quemantém privilégios. O princípio que, em tese, asseguraria garantias processuaismínimas, bem como a razoabilidade das leis, atos administrativos e judiciais, temservido justamente à tutela de direitos privados de grupos hegemônicos que manipulamo fator tempo em prejuízo de grupos minoritários. Quando há esse desvio, o que deveriaser devido processo legal transmuta-se em indevido processo colonial, com capacidadedeletéria de manter o status quo ante e perpetuar injustiças históricas. O processo dedesintrusão de não índios dos territórios do povo indígena Xucuru, em Pesqueira/PE, éexemplo de como o devido processo legal formal pode ser usado como indevidoprocesso colonial de exploração e negativa do direito às terras tradicionalmenteocupadas por povos originários. As ações ajuizadas por não-índios, muitas ainda emcurso no poder Judiciário, obstam o pleno gozo e usufruto de terras tradicionalmenteocupadas e já demarcadas após demorado processo administrativo. O povo Xucuru foi oprimeiro povo originário a obter condenação do Estado brasileiro no planointernacional. Em 5/2/2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiusentença e declarou o Estado brasileiro responsável por violação do direito à garantiajudicial de prazo razoável, previsto no artigo 8.1 da Convenção Americana sobreDireitos Humanos (CADH), bem como dos direitos de proteção judicial e à propriedadecoletiva, insertos nos artigos 25 e 21 da CADH, em detrimento do povo indígenaXucuru e seus membros. A Corte IDH concluiu que o processo administrativo detitulação, demarcação e desintrusão do território indígena Xucuru foi parcialmenteineficaz. Iniciado em 1989, apenas em 18/11/2005 foi executada a titulação do territórioindígena Xucuru no 1º Registro de Imóveis de Pesqueira. Ainda hoje não índios ocupamterras. Por outro lado, a demora na resolução das ações ajuizadas por terceiros nãoindígenas afetou a segurança jurídica do direito de posse do povo Xucuru. A Cortereconheceu violação ao direito à proteção judicial e à propriedade coletiva (artigos 25 e21 da CADH). A sentença veio como reconhecimento formal de que o tempo é fator de(in)justiça juridicamente relevante. O povo Xucuru, diante do indevido processocolonial (administrativo e judiciário), adotou iniciativa autônoma de ocupar/retomar asterras tradicionalmente por eles ocupadas. Mecanismos administrativos e judiciais nãopodem retardar a efetividade de direitos, mas serem instrumentos de realização efetiva.Palavras chave: Indevido processo colonial. Morosidade. Povo Xucuru. Corte IDH.