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TRABALHO DOMÉSTICO: COLONIALIDADE E VIOLAÇÃO SISTEMÁTICA DA DIGNIDADE DA TRABALHADORA
Última alteração: 2019-07-09
Resumo
Dados de 2019 do Ministério Público do Trabalho do Brasil demonstram que, nos últimos 15 anos, foram resgatadas quase 2 mil mulheres em situação de escravidão contemporânea, o que representa 5,37% do número de resgates. Todavia, a Organização Internacional do Trabalho, em 2016, informa que, das 40 milhões de pessoas submetidas ao trabalho escravo, 70% são mulheres e meninas, principalmente para os casos de trabalho forçado e casamento forçoso. São números expressivos: 25 milhões de mulheres estão sendo submetidas ao trabalho escravo, com 16 milhões no setor privado (como trabalho doméstico, construção ou agricultura), e 4,8 milhões sofrem exploração sexual forçada. Diante disso, questiona-se o porquê de a estatística brasileira ser tão dissonante frente aos dados globais, principalmente no que diz respeito ao trabalho escravo doméstico realizado pela mulher. Aliado ao contexto de exploração do trabalho escravo, vê-se que a própria realidade do trabalho doméstico, além de precária, reflete exploração de sucessivas vulnerabilidades, que envolve diferentes marcadores sociais referentes à gênero, classe social, raça, etc. Através do olhar sobre a realidade brasileira, vê-se processo histórico de naturalização da exploração do trabalhador doméstico, que só foi totalmente equiparado aos demais trabalhos urbanos em 2015, 72 anos após a implementação da Consolidação das Leis do Trabalho. Da análise do imaginário social, da violência estrutural e da questão normativa do trabalho doméstico, surge então a hipótese que de a exploração é naturalizada e aceita pela sociedade, por ser fruto da herança do Brasil Colonial e escravocrata e por estar refletida no pensamento político-jurídico moderno que acolhe a colonialidade do poder como forma de construção e interpretação dos direitos humanos. Por intermédio do conceito de colonialidade do poder, Quijano (2005) afirma que a concepção de direitos humanos, desenvolvida no Ocidente Moderno, teve forte ideologia eurocêntrica, masculinizada e excludente. Por intermédio de abstração e universalização na qual só se considera pessoas de certo padrão cultural e racial, se exclui os demais. Portanto, os seres humanos que não se incluem no padrão delimitado acabam por não serem destinatários de direitos e de mecanismos de proteção. Essa visão de direitos humanos aplicada no âmbito trabalhista demonstra fortemente essa colonialidade do poder que se propaga na dinâmica social, capaz de invisibilizar, naturalizar e normatizar a situação de exploração das trabalhadoras e reproduzir trabalho escravo no seio da sociedade. Desse modo, como na lógica do trabalho doméstico há explorações que podem gerar a violação da dignidade do trabalhador, assim é necessária visão mais ampla dos direitos humanos e a ressignificação do trabalho doméstico, historicamente inferiorizado, a fim de interromper a violação sistemática e seletiva da trabalhadora. Ademais, é preciso que a mudança do modelo jurídico seja aliada à mudança da conjuntura social sob o paradigma da descolonialidade, para que se dê fim nas práticas cotidianas de exploração no âmbito do trabalho doméstico.
Palavras-chave
Trabalho escravo contemporâneo. Descolonialidade. Direitos humanos. Trabalho doméstico. Intersecionalidade.